segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Mulheres rurais rasgam barreiras que impedem o seu desenvolvimento em Boane


 Traçar estratégias para reduzir o nível de dependência da mulher rural, buscar formas de reduzir as dificuldades que esta tem enfrentado no acesso ao crédito bancário e problemas ligados ao Direito do Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), figuram como desafios das mulheres filiadas na União das Associações dos Camponeses de Boane (UACB).


Estas mulheres dedicam uma parte do seu tempo ao Projecto Escola na Machamba onde aprendem e colhem várias experiências para a implementação de novas técnicas agrícolas e desenho de projectos para obtenção de créditos bancários.     

UACB é composta por 32 associações, das quais, 24 estão registadas e, conta com 7.768 membros, na sua maioria mulheres. Neste momento, “pretendemos que as restantes associações, possam ver os seus direitos protegidos através do registo”- Lina Macia, Presidente da União.

Um outro desafio apontado pela presidente visa desenhar projectos para o acesso a empréstimos não só no Fundo de Iniciativas Locais, vulgo sete milhões, assim como em qualquer banco, de forma a tornar as suas actividades mais sustentáveis.
 
Associação Cape-Cape: formação é o instrumento de combate da mulher rural
A UACB conta com os préstimos da Associação Cape-Cape, que para além de desenvolver a actividade agrícola, tem lutado pela formação da mulher rural em várias vertentes, com particular destaque para a capacitação em matérias ligadas ao Direito do Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT).

Com a intervenção de algumas organizações que apoiam iniciativas que visam a defesa do direito a terra, caso da ORAM, os camponeses viram os seus direitos protegidos. Com o direito de uso da  terra garantido, os membros da Associação Cape-Cape, composta maioritariamente por mulheres, procuraram desenvolver outras actividades como a criação de frangos, actividade iniciada em 2005, como forma de reduzir a dependência exclusiva a agricultura.
 
Na altura, uma das dificuldades enfrentadas por estas mulheres foi a falta de experiência e de infraestruturas para o início da criação de frangos. O pagamento de cotas foi uma das saídas, tendo servido apenas para a construção das capoeiras, o que levou os membros a recorrerrem a um empréstimo no valor de 74 mil meticais do Fundo de Iniciativas Locais, em 2007.

A associação Cape-Cape trabalha na produção de alimentos e plantas medicinais, que são comercializados nos mercados de Boane e Maputo. “Graças ao valor de venda dos produtos que a nossa associação arrecadou em 2008, conseguimos devolver o dinheiro do empréstimo e agora estamos a trabalhar com meios próprios”- Cristina Inguana, vice-presidente.

Uma das grandes iniciativas desta Associação é o projecto Escola na Machamba. Segundo Inguana, este projecto veio dar uma nova visão as mulheres rurais no que se refere aos problemas ligados ao DUAT e a prática da actividade agrária no geral. “Hoje graças às mulheres que têm liderado este trabalho, as nossas vidas melhoraram muito. No que se refere ao trabalho agrícola, a associação Cape-Cape conseguiu comprar um tractor que tem facilitado muito as nossas actividades e já não praticamos a agricultura de subsistência pois, conseguimos alimentar vários mercados”.

A associação tem cerca de 750 membros, sendo 600 mulheres e os restantes são homens. Para além das actividades acima indicadas, esta associação desenvolve programas de luta contra o HIV/SIDA, violência doméstica, entre outros.


De Associação das Mulheres do Canto e Dança para para pequenas empresárias de reciclagem 
Outra associação que se destaca na UACB, é a das Mulheres de Canto e Dança, criada em 1992, e que em 2007 com a introdução do Fundo de Iniciativas Locais, vulgo sete milhões, decidiu agregar no canto e dança, as actividades de corte e costura.

Tendo iniciado as suas actividades com uma máquina de costura, actualmente conta com duas, o que melhorou as suas actividades, dando assim, espaço para as mulheres se desenvolverem. Inicialmente apenas 12 mulheres faziam parte do projecto, mas actualmente 23 mulheres vem desenvolvendo as mais variadas actividades, entre elas corte, costura e venda dos produtos manufacturados- Fátima Matsava, Presidente.

Outro projecto abraçado pelas mulheres rurais de Boane é o de reciclagem de sacos plásticos. Este projecto surgiu há cerca de 6 meses, como uma actividade alternativa a prática da agricultura, sobretudo na epoca de baixa produção. Como forma de de buscar alternativas, um grupo composto por 24 mulheres recebeu um convite de uma organização não governamental, que em parceria com o Projecto Escola na Machamba capacitou aquelas mulheres em matérias ligadas a reciclagem dos sacos plásticos.

O que muitos pensam que é lixo, para nós é matéria-prima e graças ao plástico colectado nas vias públicas e nas lixeiras nós fabricamos panos de mesa, cortinas da casa de banho, aventais, carteiras, sacolas e outro tipo de utensílios domésticos e, reduzimos assim, os efeitos negativos que o plástico provoca ao solo e que também prejudica a nossa actividade agrícola”- Judite Rodrigues.

As mulheres que se dedicam a esta actividade queixam-se, todavia, da falta de mercado para a comercialização dos seus produtos, em decorrencia de estes serem ainda incomuns nos mercados de Boane e Maputo (e não só). Contudo, reconhecem que este trabalho mudou as mentes dos associados, na medida em que aprenderam não só a dar mais valor à mulher e ao trabalho que fazem, como também a valorizar ao que outrora era considerado desperdício, a tirar proveito disso para produzir ideias inovadoras. Apontaram que um dos objectivos desta associação é conquistar o mercado nacional e ter o seu próprio espaço para desenvolver esta actividade de transformar em arte o que muitos pensam que é lixo.



Estes são alguns bons exemplos de como as mulheres rurais estão fazendo frente a pobreza. Umas com
enxadas, outras com a arte e cada uma como pode, elas vão ultrapassando os seus próprios limites e rasgando as barreirras visíveis e invisíveis sempre num espirito de interajuda e de partilha de experiências. Este é o espirito que levou a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) em parceria com outras organizações a apoiarem a criação do Forúm Moçambicano de Mulheres Rurais (FOMMUR), que em 2009 juntou cerca de 1.000 mulheres rurais no distrito de Boane, precisamente na Machamba Escola com objectivo de celebrar estas e outras conquistas.

Em colaboração com Aida Matsinhe (Magazine Independente)